domingo, 3 de outubro de 2010

É chegada nossa hora?

Considerações para o desenvolvimento sustentável do Brasil
Por Antonio Macêdo Filho *

Tem se falado muito que o Brasil finalmente passará a ingressar, os próximos anos, no grupo dos países mais desenvolvidos do mundo. Há de fato uma série de indicadores favoráveis.

Preocupa-me, no entanto, o fato de que, para efetivamente entrarmos neste time de maneira definitiva e sólida, e permaneçamos lá, é preciso muito trabalho de muita gente bem preparada para lidar com os desafios desta missão. E aí está a questão fundamental, a meu ver: ainda não temos capital humano adequadamente formado para dar conta dos planejamentos, dos projetos, das execuções e operações que o conjunto de iniciativas necessárias para o desenvolvimento sustentável do país requer. E há muito que fazer.

O ambiente econômico difícil dos dois últimos anos nas maiores economias do mundo tem feito com que empresas dos mais diversos setores tenham dirigido seus vetores de crescimento para as nossas terras. Isto talvez favoreça a vinda de boas cabeças estrangeiras para atuar por aqui. Eu mesmo tenho tido contato com algumas delas, que estão buscando oportunidades de negócios no Brasil.

Mas não podemos depender disto. Temos que ter gente bem preparada aqui, falando (e bem) o português, e sabendo do que está falando. Não há mais tempo para improvisos e jeitinhos. Não me refiro apenas aos jogos de 2014 e 2016. Eles certamente darão forte impulso aos investimentos, mas precisamos de muito mais que isto para manter o fluxo, gerar e reproduzir as oportunidades e criar o desenvolvimento sustentável do país. Exemplifico:

A) Matriz energética

Unisa hidrelétrica de Itaipu, que até 2008 era a maior do mundo.

Hoje (2010), pouco mais de 80% da produção de energia elétrica brasileira é de fonte hidrelétrica, portanto, renovável (deixemos o tema do impacto das construções das usinas para outra discussão). Há 15 anos, era 95%. O que mudou, fundamentalmente, foi a entrada, a custo relativamente baixo para o consumidor final, do gás vindo da Bolívia. Ou seja, estamos trocando uma fonte renovável por outra não renovável, poluente, geradora de CO2 e ainda importada. Esta solução tem sido necessária para dar conta do crescimento da oferta, que tem que atender à demanda crescente. Considerando-se que o crescimento da demanda de energia tem elasticidade de aproximadamente 2 em relação ao crescimento do PIB, podemos esperar uma evolução entre 12 e 15% em 2010, em relação a 2009. Ou seja, temos que produzir mais, de qualquer jeito. Com isto, estamos olhando a questão apenas pelo lado da oferta.

A questão é: podemos obter importantes resultados otimizando o consumo (e em muitos casos, até reduzindo), aumentando a eficiência energética, do lado da demanda. Há diversas formas de fazê-lo. Seja estimulando a produção e implantação de sistemas de energias renováveis nas unidades de consumo final, especialmente solar e eólica, seja estimulando o consumidor a utilizar equipamentos de baixo consumo, informando as pessoas em todos os níveis a adotar melhores hábitos de consumo, seja promovendo regulamentações nas diferentes esferas de governo para promover a eficiência. Medidas assim podem conter a voracidade do crescimento do consumo de energia sem comprometer o desenvolvimento. Já deu certo em países como a Alemanha, Espanha e Japão. Em todos os casos, sem exceção, o que é necessário? Informação e formação técnica, além, naturalmente, da educação básica.

B) Energias renováveis

Parque eólico de Osório, no Rio Grande do Sul

Recentemente, os primeiros dois grandes leilões de energia eólica do país colocaram o Brasil no cenário mundial de energia a partir dos ventos. Dezenas de empresas conquistaram o direito de construir parques eólicos com contratos de venda da energia ao governo. Muito bom. Boa iniciativa. Espera-se que o sucesso destas primeiras estimule outras, inclusive também na área da energia solar, em especial a fotovoltaica, que de outra forma não se viabilizaria. Foi com estímulos que a tecnologia se desenvolveu em outros países. Certamente este será o caminho a ser seguido também por aqui.

A questão aqui é: quem vai projetar, implantar, operar e manter estas usinas de geração de energia eólica e solar? Para garantir que as oportunidades que se apresentem sejam de fato aproveitadas e possamos ter maior contribuição de fontes renováveis em nossa matriz energética, precisamos de gente muito bem preparada para dar conta do serviço. Temos? Ainda não. Temos recebido, isto sim, empresas estrangeiras, mais bem preparadas e com experiências bem sucedidas, especialmente no atlântico norte. O que é necessário? Informação e formação técnica, além, é claro, de inteligência para aprender com a experiência de quem sabe mais.

C) Infra-estrutura

Aeroporto Internacional de Guarulhos, o maior do país, hoje já saturado.

Para que o país possa dar vazão aos estímulos do crescimento, sem entraves, é preciso construir, e rapidamente, estrutura física adequada em diferentes setores: estradas, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, metrôs, avenidas, viadutos, sistemas de telecomunicações e internet, estádios, residências e edifícios comerciais e industriais, tudo de maneira mais sustentável possível. É um desafio e tanto.

A questão, mais uma vez, é: temos gente qualificada em quantidade suficiente para dar conta do recado? Certamente ainda não. Temos que empreender um grande esforço na preparação de mão de obra e intelecto de alto nível para desenvolver estes projetos e obras. E aqui entra a questão do tempo. Não basta investir em formação técnica fundamental e de graduação. É preciso especialização. Rápida, eficiente e focada. Dirigida a aplicações de técnicas e tecnologias para acelerar a realização destas importantes obras. Ao governo cabe, a meu ver, estimular ações neste sentido, além de desregulamentar e desburocratizar a implantação destes projetos, deixando a iniciativa privada fazer o que sabe: empreender.

D) Construções Sustentáveis

No mundo todo, a construção é responsável por em torno de 30% das emissões de gases de efeito estufa e pela utilização de ¾ de todos os recursos naturais. No Brasil, a construção tem crescido a taxas superiores às do PIB e é responsável por algo em torno de 2 milhões de empregos formais diretos. Estes números devem crescer ainda mais nos próximos anos, ajudando em grande parte a estimular o crescimento do PIB do país. Os edifícios são ainda responsáveis por algo em torno de 45% do consumo de energia elétrica no Brasil, 20 % do consumo de água e suas construções por 2/3 da produção de resíduos sólidos urbanos. Estes números deixam claro, portanto, que estamos falando de uma atividade de alto impacto ambiental.

Eldorado Office Tower, primeiro certificado LEED platina da América Latina

Construções sustentáveis são aquelas que são projetadas, construídas e operadas de maneira a otimizar o uso de materiais, água e energia, bem como gerar menos resíduos e impactos ambientais, além de oferecer melhor qualidade dos espaços e do ar interior. Com isto melhoram o nível de conforto e de qualidade de vida, proporcionando maior eficiência e produtividade, além de valorização comercial e menor impacto ambiental. Ou seja, temos que fazer construções sustentáveis. O mundo todo está tentando fazer isto.

Para fazer edifícios sustentáveis, é preciso, necessariamente, partir de um processo de projeto integrado. Todos os envolvidos, não apenas projetistas, mas também proprietários, usuários, administradores, construtores, fornecedores, devem estar comprometidos em buscar os melhores resultados.

Em se tratando de projeto, não é mais possível seguir o processo tradicional, unidirecional, que parte do arquiteto, vai para o estruturalista, para o projetista de instalações, ar condicionado, etc. É preciso que todos trabalhem juntos, em um processo de alimentação mútua contínuo. Para isto, é fundamental melhor capacitação técnica de todos, não só para que entendam em que condições cada um pode melhor colaborar para o melhor desempenho do edifício como um todo, como até mesmo para conseguir desenvolver projetos que podem requerer detalhamentos profundos e simulações computacionais de desempenho.

E) Certificações ambientais e etiquetagem de edificações

Certificações ambientais podem ser obtidas por construções sustentáveis para garantir e atestar que tais edificações de fato possam ser assim consideradas. São promovidas por entidades acreditadas nacionais e internacionais e requerem o atendimento por estas edificações a um conjunto de requisitos e recomendações muitas vezes extenso e detalhado, para que possam ser certificadas.

No Brasil as certificações mais utilizadas são o LEED - Leadership in Energy and Environmental Design, promovida pelo US Green Building Council e o Processo AQUA, desenvolvido a partir do modelo francês HQE – Haute Qualité Environnementale, pela Fundação Vanzolini, que a promove no Brasil. Há ainda o programa brasileiro de etiquetagem de edificações Procel Edifica, da Eletrobrás / Procel, que avalia o desempenho energético de novas construções.

Etiqueta Procel Edifica

A adesão a quaisquer destas certificações é voluntária e os primeiros edifícios certificados do país confirmaram a expectativa e se tornaram sucesso comercial. Alguns estão inclusive buscando obter recursos com a venda de créditos de carbono, algo que ainda é recente, mas certamente irá crescer muito em todo o mundo.

O que se observa agora, no entanto, é que está faltando mão de obra técnica habilitada a lidar com as certificações, para assessorar os projetistas e construtores neste processo, em todo o país. Posso apenas imaginar como será quando o Procel Edifica vier a se tornar obrigatório - como já ocorreu em outros países e também no Brasil em outros setores, como o de eletrodomésticos - e todos os arquitetos tiverem que saber, ainda em projeto, quanto o edifício que estiver projetando consumirá de energia, em kWh / m2 / mês, quando construído e em operação. Quantos podem dizer que sabem fazer esta conta?

Precisamos de muitos mais LEED AP´s, Auditores AQUA e profissionais preparados para utilizar bem o Procel Edifica e para lidar com as demais questões relacionadas à construção sustentável. O que é necessário? Uma vez mais: formação, atualização e capacitação profissional.

Este, acredito, é um dos maiores desafios ao desenvolvimento sustentável do país.


Prof. Arq. Antonio Macêdo Filho*

* Arquiteto, Master em Arquitetura Bioclimática e Edifícios Inteligentes pela Universidade Politécnica de Madrid
Diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNICID – Universidade Cidade de São Paulo
Coordenador dos Programas de Pós-graduação Lato Sensu UNICID / InBec, dentre os quais o MBA em Construções Sustentáveis, oferecido em convênio com o Green Building Council Brasil
Diretor do EcoBuilding – portal de Arquitetura e Construção Sustentável

Um comentário:

Thiago Luiz disse...

Professor Antônio,
Sou aluno de engenharia sanitária & ambiental na UFSC, técnico em edificações IFSC e concluindo graduação em tecnologia em construção de edifícios.

Estou para realizar meu TCC nesta área e se possível gostaria de discutir algumas idéias com você.

Abaixo segue meu e-mail para que possamos entrar em contato.

Obrigado e parabéns pelo blog.
pelos textos tbm!

att.

thiago luiz
thiagoluizalves@gmail.com