sexta-feira, 20 de março de 2009

"Terceiras Peles" ou Fachadas Ventiladas: solução útil para eficiência energética e conforto ambiental

Em minhas aulas, costumo dizer que as edificações, onde passamos praticamente toda a vida, são nossas "terceiras peles", considerando-se as roupas, que também usamos praticamente por todo o tempo, as nossas "segundas peles".

Todas as nossas três peles devem (ou deveriam) nos proporcionar: proteção em relação à radiação solar, isolamento térmico, respiração, ventilação, permitir perda de calor ou evitar ganhos de calor quando necessário e na quantidade necessária, devem ser confortáveis, práticas e adequadas às atividades que abriguem, além, claro, de esteticamente agradáveis. São muitas e importantes missões.

Como não sou dermatologista nem estilista, considerarei aqui apenas as nossas terceiras peles, os edifícios, cuja interação com o exterior se dá, basicamente, por suas fachadas e coberturas.
Para que um sistema de fachadas possa proporcionar ao menos algumas daquelas tarefas com eficiência, é importante que se considere a opção das fachadas ventiladas.

A solução construtiva de fachadas ventiladas não é comum no Brasil. Mas é muito útil por permitir relações mais dinâmicas com o meio, trocas de calor mais eficientes e também isolamento térmico. Mesmo em regiões onde as condições climáticas não são muito rigorosas, como em nosso país, elas podem proporcionar muito bons resultados.

A matéria que segue, publicada pela revista Téchne, da Ed. Pini, neste mês de março de 2009, traz uma rica e interessante análise da solução construtiva fachadas ventiladas, com dados técnicos bastante úteis. Parabenizo a editora, os autores e colaboradores da matéria e reproduzo a seguir seu conteúdo.

Fachadas ventiladas combinam funções estéticas com bom desempenho térmico, além de contribuir para reduzir cargas do condicionamento de ar
Por Eride Moura, para Téchne

Ainda em processo de introdução no Brasil, a fachada ventilada tem sua eficiência comprovada há mais de 30 anos nos países do hemisfério Norte. Por aqui, vem suscitando interesse tanto pelos efeitos estéticos quanto pelo desempenho térmico prometidos. Em tempos de exigência de menor consumo energético, o sistema pode contribuir para reduzir as cargas de condicionamento artificial de ar. Pode também, como uma "capa" protetora, preservar a estrutura e prolongar a vida útil da edificação.

Empregando materiais específicos e utilizando-se de princípios físicos simples, a fachada ventilada não deve, em hipótese alguma, ser confundida com a chamada fachada cortina. Ambos distinguem-se, é verdade, das fachadas convencionais, mas têm em comum apenas o fato de criarem um invólucro separado e independente da estrutura do edifício. A subestrutura que suporta o revestimento é de aço inoxidável ou alumínio e pode ser ajustada.

No caso da fachada ventilada, a cavidade formada entre os dois paramentos - de 10 cm a 15 cm de largura, mas podendo ser maior para possibilitar a passagem de instalações - é determinante para o sucesso do sistema, funcionando como colchão de ar renovável. A troca de ar é permanente na câmara e maior o conforto ambiental dentro do edifício.

No hemisfério Norte, onde essas fachadas foram desenvolvidas, como o inverno é rigoroso e a manutenção do calor nos ambientes internos é fundamental, parte dessa cavidade é preenchida por uma camada de material isolante, geralmente painéis de lã de vidro ou de rocha. Exemplos muito antigos desse conceito de fachada dupla podem ser vistos nos Estados Unidos e na Inglaterra, em edifícios históricos, que apresentam uma segunda fachada em alvenaria de tijolos, trabalhada independentemente da parede estrutural.

Com a evolução dos materiais, esse paramento externo pôde receber, além de vidros altamente sofisticados, placas de revestimento de materiais que agregam valor e beleza aos edifícios. Granito, mármore, porcelanatos, cerâmicas (extrudadas, esmaltadas, grés, cotto) e placas compósitas de metais ou laminados melamínicos são de uso corrente nesses países.

Colocação da peça cerâmica extrudada na subestrutura em obra na Alemanha

Sistema de juntas abertas

Nas últimas décadas, os estudos realizados em laboratórios europeus, visando reduzir custos com energia para calefação e refrigeração, levaram ao desenvolvimento da fachada ventilada, cujo princípio fundamental - e que a distingue da curtain wall - é o fato de possuir juntas abertas. O espaço entre as placas do invólucro (as juntas) não recebem vedação completa nas aberturas inferiores e superiores, possibilitando, assim, a criação da lâmina de ar na cavidade entre as duas paredes (ver figuras).

Essa lâmina de ar é a característica dominante do sistema de fachada ventilada, uma vez que é responsável pelo desencadeamento do efeito chaminé - um sistema eficaz e natural de ventilação.

Fachada de porcelanato com proteção de fibra de vidro, na Itália

O fenômeno fundamenta-se em um princípio simples da física: o ar mais quente sobe e, pela diferença de pressão, suga para dentro da cavidade o ar mais fresco. O ar da cavidade é continuamente renovado e não chega a aquecer a face do corpo da edificação, que permanece protegida.

Estanqueidade à água

Dimensionado corretamente, mesmo com as juntas abertas, o sistema controla a entrada de água da chuva incidente e elimina uma das causas mais frequentes da deterioração das fachadas - as infiltrações causadas por fadiga secante ou mástique.

A água que consegue penetrar no interior da cavidade é extremamente reduzida. Estudos realizados na Alemanha demonstram que menos de 1% da água que consegue penetrar atinge o paramento, o que pode ser controlado por uma camada impermeabilizante.
O afastamento entre o paramento externo e a abertura das juntas dos painéis deve ser dimensionado de tal forma que equilibre a pressão no interior da cavidade, fazendo com que a água, se penetrar, escorra por trás do painel. Na prática, o espaçamento das juntas deve ser de 4 mm a 10 mm (em função da dimensão das placas), o suficiente para absorver os desvios geométricos dos painéis e eventuais imprecisões da montagem.

Encaixes na peça extrudada facilitam a montagem. O espaço entre os dois paramentos funciona como uma câmara de circulação e renovação de ar

Sistema respirante

O sistema que permite a ventilação natural possibilita, também, a dispersão do vapor presente no interior das paredes, eliminando a umidade dos edifícios novos ou recuperados. Por outro lado, o vapor de água que se forma no interior do edifício pode sair parcialmente pela parede, sem nenhum impedimento, contribuindo para a conservação da estrutura. A fachada ventilada oferece, ainda, proteção acústica, pois as placas e a lâmina de ar (e o possível uso de proteção isolante) agem como barreira atenuando ruídos do exterior.

A fachada ventilada apresenta, ainda, melhor capacidade de adaptação às variações de temperatura ocorridas na estrutura do edifício. As placas de revestimento, fixadas na subestrutura independentes umas das outras, ficam livres para se dilatar de acordo com seu próprio coeficiente, graças ao grau de elasticidade da ancoragem. Assim, o revestimento não sofre esforços adicionais relevantes que possam provocar efeitos de degradação na fachada e que demandariam intervenções de manutenção, como ocorre com as fachadas convencionais.

Revestimento

Graças ao desenvolvimento de materiais de revestimento de alto desempenho técnico e estético, é possível criar fachadas ventiladas de grande eficiência e de excelente resistência às variações higrotérmicas e aos agentes atmosféricos em geral. Sobre a recente popularização, em todo o mundo, do uso de placas cerâmicas nesse tipo de fachada, o consultor Jonas Silvestre Medeiros, da Inovatec Consultores Associados, explica: "A beleza e a qualidade desses produtos caíram no gosto dos arquitetos, por oferecerem uma infinidade de possibilidades de criação arquitetônica, sendo muito utilizados, inclusive, em combinação com outros materiais".

De acordo com Medeiros, esse sistema não se consolidou ainda no Brasil porque as placas cerâmicas produzidas aqui têm pequenas espessuras e dimensões limitadas, o que aumenta o consumo de metal para o projeto da subestrutura. O granito, usado largamente nas fachadas tipo cortina, têm placas com, pelo menos, 25 mm de espessura, o que permite a colocação segura dos insertos pontuais.

Detalhe do tardoz do "biscoito" extrudado, com frisos para encaixe dos grampos

Por outro lado, os painéis cerâmicos de maior dimensão, apesar de requererem subestrutura mais leve para instalação e montagem, "precisam ser mais espessos para uso de ancoragens ocultas, devido à necessária segurança estrutural, o que encarece o sistema", esclarece o consultor.

Um tipo de painel cerâmico que vem obtendo muito sucesso em vários países é o extrudado, que equilibra as questões de espessura e resistência, e pode ser fabricado já com os encaixes necessários à montagem.

Apesar de não produzida ainda no Brasil, essa cerâmica pode ser adquirida sob a forma de sistema construtivo. No momento, fabricantes europeus de cerâmica, levando em conta o potencial de crescimento da construção civil no País, estão trazendo esse produto das matrizes européias, e programam a abertura de unidades específicas para a produção da cerâmica extrudada.

Porcelanato com ancoragem aparente em fachada de prédio na Espanha

Cuidados
"Não é aconselhável, no caso de fachadas ventiladas, o uso de painéis muito delgados, porque fica difícil a execução segura de furos ou cortes para as ancoragens que ligam a placa à subestrutura", alerta Jonas Medeiros. Por essa razão, na Europa, os porcelanatos são usados comumente com os sistemas de ancoragem aparentes.

E em sua face posterior, é exigido um reforço de tela de fibra de vidro, colada com resina epóxi ou poliéster resistente ao envelhecimento natural. "Assim, caso haja a quebra eventual de um painel, os fragmentos permanecem presos até a substituição da peça, o que pode ser feito facilmente, por se tratar de uma solução industrializada", explica Medeiros.

Os grampos são encaixados nas ranhuras nas extremidades das placas deslocando-os pelos frisos da cerâmica
Quanto à subestrutura metálica, o consultor chama a atenção para a qualidade do metal - aço inoxidável austenítico e ligas especiais de alumínio - e não recomenda acessórios de aço galvanizado, que podem enferrujar e pôr em risco toda a estrutura.

O fornecedor do sistema - explica o consultor - "deve oferecer a solução completa: projeto executivo, dimensionamento estrutural, painéis, componentes, acessórios, chumbadores, rufos e pingadeiras, serviço de instalação e equipe de engenharia responsável pela obra". Os projetos executivo e estrutural da fachada, segundo o consultor, devem ter um único responsável, para que a responsabilidade não fique diluída, no caso de ocorrer algum problema. A montagem industrializada permite o controle total do processo, o que é imprescindível à segurança desse sistema. "Esse tipo de fachada não pode admitir improvisações", conclui.

A escolha do metal deve ser criteriosa, e os materiais compatíveis, para que não se crie um par galvânico entre o material mais nobre e o menos nobre

Faltam normas

Sobre a inexistência de normas brasileiras específicas para a execução desse tipo de fachada, Jonas Medeiros acredita que isso possa ser resolvido, em parte, com a adaptação das normas e ensaios para esquadrias, pois as exigências são semelhantes. E também com as normas internacionais de projeto e desempenho. No Brasil, não há normas específicas para fachada cortina nem para fachada ventilada, e mesmo para a fixação de cerâmicas e mármores com argamassa, as normas atuais são incipientes. Os ensaios necessários para essas fachadas - estanqueidade à água, pressão de vento positiva e negativa, impacto de corpo mole e duro, dimensionamento da estrutura, isolamento térmico e acústico - são fundamentais para validar a comercialização de qualquer sistema.

Vantagens

Apesar de apresentar custos bem superiores aos sistemas convencionais, a fachada ventilada oferece grandes vantagens, desde que dimensionada e calculada racionalmente e não utilize metais que sofrem significativa corrosão. No que diz respeito à redução do consumo de energia em climatização, a vantagem é indiscutível. Além de ter seu desempenho testado e aprovado em rigorosos laboratórios europeus e norte-americanos, a fachada ventilada com revestimento cerâmico foi avaliada, em São Paulo, pelo professor Alberto Hernandez Neto (ver boxe), do Laboratório de Engenharia Mecânica da Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo).

Edifício Zuiderhof II, em Amsterdã, Holanda
A fachada ventilada não necessita de intervenções frequentes de restauração, e os riscos de fissuras e descolamentos de placas são reduzidos. No caso de uma placa vir eventualmente a se estragar, pode ser facilmente substituída, pois é possível intervir sobre cada peça, separadamente. O sistema, inclusive, permite uma rápida e completa renovação do edifício, com a troca e repaginação das placas, modificando inteiramente seu aspecto exterior.

Mercado aberto

Como se trata de uma construção não destrutiva, limpa e rápida, a fachada ventilada vem sendo largamente usada em obras de retrofit na Europa, inclusive em edifícios residenciais. O engenheiro Jonas Medeiros alerta para o fato de que, ao projetar esse tipo de fachada em retrofit, o projetista deve levar em conta que o recuo do imóvel será reduzido e, para isso, precisará consultar a legislação local. O consultor, no entanto, acredita que o retrofit não é o grande mercado potencial para esse tipo de fachada, mas sim os grandes edifícios comerciais, sedes corporativas e institucionais, shoppings centers, hospitais e faculdades que usam intensivamente a energia elétrica e que têm um orçamento mais adequado para fazer face aos custos do sistema.

Empresas apostam em shoppings e edifícios corporativosA crise parece não ter atingido o ânimo do setor cerâmico de alta tecnologia. Pelo menos duas empresas desembarcaram no País sistemas de fachadas ventiladas.

A KeraGail buscou, por meio de uma parceria com a alemã Buchtal, a transferência, para o País, de sua expertise de produção da cerâmica extrudada. Uma unidade industrial exclusiva dessa cerâmica para fachadas será construída no Brasil nos próximos quatro anos. As peças podem receber, na superfície, uma camada de dióxido de titânio, produto que dificulta a aderência da sujeira e facilita a limpeza. "Sempre tivemos interesse no produto", diz o arquiteto João Paulo Ulrich de Alencastro, gerente de negócios e outsourcing da KeraGail. "Agora o mercado está preparado."

A holandesa Hunter Douglas, por sua vez, adquiriu a empresa alemã NBK Ceramic, pioneira na fabricação de cerâmica terracota natural extrudada de grandes tamanhos para fachada ventilada. No Brasil, o produto já é anunciado com grandes perspectivas e, por enquanto, será importado.

De acordo com Dennis Squilante, gerente comercial da Hunter Douglas, a empresa está lançando os produtos NBK com grandes dimensões, específicos para as fachadas ventiladas, que podem receber tratamento antipichação.
As duas empresas têm projetos em andamento no País mas nenhuma obra ainda foi executada. A primeira obra de fachada ventilada na América do Sul com a cerâmica NBK da Hunter Douglas foi inaugurada recentemente, no Chile.

Fachada racionalizada
Por reduzir significativamente o consumo de energia, utilizar sistema industrializado e materiais recicláveis (pode ser desmontada e montada facilmente em outro local), a fachada ventilada é um elemento que facilita a obtenção da certificação de sustentabilidade. O consultor Jonas Medeiros chama a atenção, no entanto, para o fato de que, enquanto questões da sustentabilidade estão sendo exaustivamente discutidas - como a captação e o reaproveitamento de águas usadas ou das chuvas e a disseminação da energia solar -, a construção brasileira ainda enfrenta no seu dia a dia altos índices de desperdício. E explica: "Dependendo do tipo de material, esse desperdício pode ser de 5%, 25% e até 40%, o que poderia ser evitado, caso houvesse um esforço concentrado para a redução do problema na construção convencional, principalmente pelo investimento em projetos executivos para uso mais racional de materiais, na alvenaria e nos revestimentos, por exemplo". E argumenta: "Não seria uma mudança de paradigma, como é o caso do uso da tecnologia de fachada ventilada, mas um esforço-chave no sentido da sustentabilidade e que resultaria em economia de escala significativa para as empresas".

Eficiência térmica comprovada
Como o Brasil não dispõe ainda de normas para a instalação e funcionamento de fachadas ventiladas, algumas empresas utilizam normas estabelecidas para esquadrias e recorrem a conceituadas instituições para avaliar a eficiência de seus produtos. No ano passado, a KeraGail do Brasil solicitou ao professor Alberto Hernandez Neto, do Laboratório de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), uma avaliação da eficiência termoenergética do sistema desenvolvido pela empresa, que utiliza cerâmica extrudada, em comparação com uma fachada em pele de vidro.

Especializado na avaliação do desempenho de sistemas de refrigeração e climatização, o Laboratório desenvolve estudos para redução de consumo de energia em edificações climatizadas, utilizando como uma das ferramentas o programa de simulação Energy Plus. O EnergyPlus é um software de simulação de carga térmica e análise energética que possibilita simulações confiáveis de diversas tipologias arquitetônicas, sistemas construtivos e condicionamento de ar. O professor tem a certificação EnergyPlus consultant, outorgada pelo grupo que desenvolveu o software, o Departamento de Energia dos Estados Unidos, a partir de dois outros softwares, o Blast e o DOE-2.

Conclusões
O case de simulação de desempenho térmico tomou como exemplo um centro empresarial, composto por duas torres de 28 pavimentos, cada uma delas com uma área total de 22 mil m² de fachadas, com envoltório de pele de vidro duplo translúcido e serigrafado branco. O envoltório proposto era de pele de vidro duplo translúcido, e 4.410 m² de sistema KeraGail de fachada ventilada. A simulação levou em conta um dia de verão, em que a temperatura interna desejada era de 24°C.

Devido ao desempenho térmico da fachada ventilada, observou-se uma sensível redução na temperatura superficial interna e, por consequência, da temperatura média do ar na Zona 1 (ver gráficos).

Analisando o consumo do sistema de climatização do pavimento-tipo, chega-se a uma redução de 8,5%. A redução foi sensível no consumo do sistema de climatização na Zona 1 (em média 64%).
É preciso levar em conta que o sistema KeraGail compôs apenas 20% da área de fachadas do pavimento-tipo, sendo que, dessa área, 1/3 do sistema está localizado em regiões onde não há climatização (banheiros), não contribuindo assim para redução de consumo.

Um comentário:

spranto disse...

Um post com esta qualidade e sem nenhum comentário?!?! Muitos parabéns e continuação do excelente trabalho!